terça-feira, outubro 7

O conhecimento da morte

Cairbar Schutel

Matão, Abril de 1930

Um dos capítulos de mais transcendência da filosofia espírita é o conhecimento da morte.
Da resolução do problema da morte depende a solução de inúmeros problemas em torno dos quais se debatem sem resultado profícuo a ciência oficial e as religiões oficiosas. São questões que se eternizam sem a firme esperança de um acordo sob as bases da verdade e da justiça.
A “saúde e fraternidade” que subscrevem os papéis oficiais, a “ordem e progresso” que constitui a insígnia do nosso pendão, todos estes nobres ideais que devem guiar os povos e erguer as nações e servem de suportes máximos da ciência e da moral não têm tido aplicação decisiva por faltar neles a linfa da vida, única força capaz de estabelecer o equilíbrio dos povos e manter a integridade dos governos no exercício de sua tarefa de governar com justiça e eqüidade.
Essa linfa, essa força só pode nascer da solução do problema da morte. Sem o desvendamento desse mistério, a humanidade continuará paralisada em sua ascensão para a luz, os sábios permanecerão no círculo vicioso de suas concepções abstratas e as religiões limitadas à terra nada mais farão que receber o homem no berço e entregá-lo ao túmulo!
Religião sem ciência, ciência sem estudo, sem pesquisa, sem verdade, que bens poderão proporcionar à inteligência que já levantou o seu vôo, e num surto elevado de raciocínio sabe já inquirir sobre o seu destino, para bem se guiar no caminho da vida!
Os mais graves problemas humanos, repetimos, só podem ser resolvidos quando a morte deixar o véu do mistério e se apresentar em sua magnífica realidade.
Mas não se pode estudar a morte sem estudar a vida, não se pode estudar o que se não vê sem se conhecer o que se vê.
Urge que comecemos as nossas pesquisas do conhecido para o desconhecido, do visível para o invisível, da matéria para a essência, do físico para o psíquico.
Não contestamos que a humanidade tenha progredido e que a ciência haja desvendado, no campo da fisiologia, mistérios que pareciam insondáveis. Basta lembrar a descoberta de Harvey, que assinala uma data memorável no progresso da medicina; a de Jenner, abrindo o larguíssimo campo da microbiologia ao descobrir a vacina; os trabalhos de Vesale sobre o estudo anatômico do corpo humano; o de Bell sobre as funções dos nervos espinais; o de Pasteur, um dos mais ilustres sábios do século XIX, embora não fosse médico, nem farmacêutico, para ver que a fisiologia não tem paralisado a sua ação progressiva, como sói acontecer a todas as ciências.
Mas teria ela chegado à meta, ao non plus ultra das realidades?
Eis uma pergunta que ninguém será capaz de responder afirmativamente. Ao contrário, os mais competentes fisiologistas da nossa época são unânimes em afirmar que a fisiologia está muito alheia à explicação dos fenômenos de ectoplasmia, assim como de outros tantos, visíveis e tangíveis, que causam funda perturbação aos doutos dos nossos tempos. Pela mesma forma, a química não explica as produções de flores e ervas que aparecem repentinamente nas sessões espíritas, não explica a agregação e desagregação de corpos, nessas mesmas experiências; e nem a física é capaz de dar a razão da levitação de corpos, sem contato aparente, contrariando as leis estabelecidas de atração e repulsão, ou de gravidade!
A ciência oficial, é inegável, está nas faixas da infância, eis a razão por que não temos conhecimento da morte.
Fomente-se o estudo, convide-se o sábio a progredir, já que se constituiu ditador de leis que regem os fenômenos mais comezinhos do nosso mundo; force-os a deixarem o comodismo de seus salões estofados, substituindo-os pelo laboratório, pelo gabinete de análise, de pesquisa, e muito em breve a nossa humanidade caminhará por uma outra estrada em que brilham as luzes dos grandes ideais. O que a fisiologia não alcançar, alcançá-lo-á a psicologia; o que a química não puder resolver, uma química mais elevada nos dará a solução; o que a física não fizer, fará a física transcendente.
O problema da morte está intimamente ligado à solução do problema da organização humana, ou antes, da organização do homem. Sem o estudo imparcial e criterioso do homem esse problema conservar-se-á insolúvel.
O início deste trabalho já está magnificamente traçado pelo Espiritismo.
Segundo os fatos espontâneos e provocados para a realização do grande desideratum, verificou-se que o homem é um ser transcendente composto de corpo e espírito, e que o espírito é retido ao corpo por um mediador que o envolve, chamado, por isso, perispírito.
O conhecimento do perispírito vem preencher uma grande lacuna, esclarecendo muitos fenômenos da fisiologia.
Estudando-se o homem à primeira vista, encontra-se nele um primeiro motor, invisível e intangível, que é a vida. Mas esta força não pode deixar de ter uma ação determinada, pois, como diz Geoffroy Saint Hilaire, “a vida é ao mesmo tempo organizadora, conservadora e reparadora, conforme um modelo ideal”. Este modelo não pode absolutamente consistir no homem exterior, carnal, que se transforma sem cessar. Antes, deve ser no perispírito que se incorporam as moléculas materiais, os átomos que formam o organismo corporal.
Enfim, o estudo do perispírito é a base do estudo do homem, em seu ser complexo. Sem esse estudo é absolutamente impossível se chegar ao conhecimento da morte e seu mistério.
As propriedades funcionais do perispírito resolvem ainda questões de alta importância para a fisiologia, como o grupamento na forma orgânica das células inumeráveis que constituem o nosso corpo; a conservação da individualidade física e intelectual, apesar da renovação perpétua das moléculas; as relações entre o físico e o moral; e outras tantas, como teremos ocasião de lembrar mais tarde.
É chegada a época em que o homem terá a verdadeira noção da sua individualidade para melhor trabalhar pelo seu progresso.
A ciência, se não quiser se manter retardatária, tem obrigação de tomar a sério estes estudos, que constituem o ponto de partida de todos os conhecimentos que devem ilustrar as gerações vindouras.

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