domingo, agosto 5

A Mentira é a Base da Civilização Moderna






















A Mentira é a Base da Civilização Moderna



É na faculdade de mentir, que caracteriza a maior parte dos homens actuais, que se baseia a civilização moderna.
Ela firma-se, como tão claramente demonstrou Nordau, na mentira religiosa, na mentira política, na mentira económica, na mentira matrimonial, etc... A mentira formou este ser, único em todo o Universo: o homem antipático.


Actualmente, a mentira chama-se utilitarismo, ordem social, senso prático; disfarçou-se nestes nomes, julgando assim passar incógnita.
A máscara deu-lhe prestígio, tornando-a misteriosa, e portanto, respeitada.


De forma que a mentira, como ordem social, pode praticar impunemente, todos os assassinatos; como utilitarismo, todos os roubos; como senso prático, todas as tolices e loucuras.


A mentira reina sobre o mundo! Quase todos os homens são súbditos desta omnipotente Majestade.


Derrubá-la do trono; arrancar-lhe das mãos o ceptro ensaguentado, é a obra bendita que o Povo, virgem de corpo e alma, vai realizando dia a dia, sob a direcção dos grandes mestres de obras, que se chamam Jesus, Buda, Pascal, Spartacus, Voltaire, Rousseau, Hugo, Zola, Tolstoi, Reclus, Bakounine, etc. etc. ...


E os operários que têm trabalhado na obra da Justiça e do Bem, foram os párias da Índia, os escravos de Roma, os miseráveis do bairro de Santo António, os Gavroches, e os moujiks da Rússia nos tempos de hoje.


Porque é que só a gente sincera, inculta e bárbara sabe realizar a obra que o génio anuncia? Que intimidade existirá entre Jesus e os rudes pescadores da Galileia? Entre S. Paulo e os escravos de Roma?


Entre Danton e os famintos do bairro de Santo António? Entre os párias e Buda?


Entre Tolstoi e os selvagens moujiks?


A enxada será irmã da pena? A fome de pão paracer-se-à com a fome de luz?...








Teixeira de Pascoaes, in "A Saudade e o Saudosismo"

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