domingo, agosto 5

Homenagem em Lamego ao jornalista António Veríssimo Gouvêa Lemos












Um Homem com H maiúsculo!

Um Homem como poucos e que soube transmitir aos seus filhos, a mentira é coisa baixa!

Preferível a morte do que cooperar com a corrupção das pessoas que vivem disso, além das chantagens!

Preferível o arrependimento, do que manter a dor de pecar, contra nós mesmos!
Saber perdoar também era um dom dele e que também o soube transmitir, aos seus filhos.

Lutar por aquilo que acreditava, foi sempre o seu objectivo, aonde mostrou o seu Grande valor como Homem,Marido,Pai e Amigo!



Madalena


No final da década de 40, mais alguém na nossa família preparava as malas para emigrar.

Era o António Veríssimo – o Ninito – nosso irmão mais velho que, não vendo futuro em Portugal, partia para assumir um emprego na nossa colônia de Moçambique. Deixava mãe, cinco irmãos e a noiva –
Maria Madalena - atrás da esperança de poder chamá-la em breve.

Embora há muito tempo a nossa convivência tivesse diminuído – ele trabalhando no Peso da Régua e eu no seminário – ele era o líder.

Não apenas porque fosse o mais velho, mas
porque era o mais inteligente, o mais precoce nas suas idéias e debates em família, o mais esclarecido e maduro no seu senso de justiça, o mais terno.

E, como se isso não bastasse para admirá-lo, ele tinha com o belo sexo o charme e poder de conquista que nós, irmãos, gostaríamos de ter um dia.

Dizem que a tuberculose nos torna mais sensíveis, mais carentes. No

fundo, não me conformava com aquela ausência para regiões tão remotas, uma separação que parecia definitiva como uma amputação.

Estava no Vilar em tratamento, aspirando a uma cura que tardava demais, quando, numa certa madrugada, o Antonio Veríssimo
entrou no meu quarto para se despedir.

Ao vê-lo aproximar-se apressado, abracei-o, retive-o, e caí em prantos.

Na sua surpresa e embaraço, senti que ele não sabia quanto o amava. Até àquele momento, também eu não sabia.Passaram-se anos.

Os anos vividos em Moçambique que filhos, amigos e ex-colegas de trabalho sabem relatar com melhor conhecimento de causa.Nesse meio tempo, nós, os 5 que ficámos, emigrámos para o Brasil com a nossa Mãe. Aqui, com o passar dos anos, acabei trabalhando como diretor de arte em agências de propaganda, mergulhando fundo num sistema em que os jornais se sustentam vendendo as suas páginas ,
centimetro a centímetro - as suas páginas e a sua opinião.

Nessa engrenagem voraz, o jornalista muitas vezes amolece, manda às favas os seus ideais e se vende para sobreviver e melhorar o saldo bancário. Isso, mais a cultura de mercado que relegou para segundo plano antigos valores, têm a sua força de persuasão.Em Moçambique, com Gouveia Lemos, o sistema era outro, mas o leilão de almas era o mesmo.

Com seis filhos para criar e saldo negativo na conta bancária, não faltaram assédios, manobras de todo o género para seduzi-lo a
amolecer e mudar de lado. Resistiu irreversivelmente como Homem maiúsculo "de um só rosto e uma só fé, de antes quebrar que torcer".

Com a saúde abalada pela exaustão emocional, o coração seriamente comprometido, emigrou para o Brasil com a família, para aqui morrer, vítima das suas feridas e desencantos.Este seu irmão, hoje aposentado da propaganda e entregue à pintura, mantém o retrato de Gouveia Lemos bem no alto da parede do ateliê, como um troféu.

Como um troféu e , ao mesmo tempo, como um ponto de interrogação sobre os mistérios da vida e da morte."Evanescências" vem sendo o tema da minha pintura, inspirado no inconformismo com o efêmero da condição humana. Com a imagem de Gouveia Lemos sobranceira às minhas pinceladas, ele vem sendo certamente um dos maiores
inspiradores desse inconformismo.Em contrapartida, como legado de família e do seminário, resta-me a fé num outro mundo, um mundo virado do avesso, onde, soberana e definitiva, reine a justiça, especialmente para aqueles que, por ela e de tanto amá-la, sofreram perseguição.Em Ipanema, bebendo uma laranjada, olhando o mar e a linha do horizonte onde naufragaram os seus sonhos, Gouveia
Lemos dava o seu último suspiro.

Segundo minha crença, não foi por mera coincidência que nesse dia o sol brilhava sereno. E era Domingo de Páscoa da Ressurreição


Vitor Manuel Gouvêa Lemos

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