Do site www.vidasalternativas.eu , um comentário publicado em 19 de Junho de 2007, na rúbrica "geral", acerca do livro "O Fascínio do Islão":
Pelo interesse do artigo, segue para vossa leitura e reflexão.
O FASCÍNIO DO ISLÃO
Beja Santos
Para a cultura ocidental, o Islão tem sido uma referência secundária como se a religião de Alá, a dimensão sociocultural do mundo islâmico, o monoteísmo do Corão, a sua espiritualidade, a ciência, a engenharia e literatura árabes, a colonização que os ocidentais exerceram em povos islamizados, ou destes sobre os europeus, o próprio diálogo entre o Islão e o Ocidente fossem fenómenos marginais e secundários na nossa identidade moral e cultural, isto quando estamos presentemente dominados por uma estreitíssima corrente que é o radicalismo islâmico, por obra e graça da obsessão mediática que ofusca a estrutura das mentalidades.
"O Fascínio do Islão" é uma obra do maior interesse onde se procura analisar os factores que tornaram o Islão uma religião tão apelativa para os ocidentais e para conhecer os termos em que se exerce esse fascínio ("O fascínio do Islão", por Martine Gozlan, Publicações Europa-América, 2007).
A autora do ensaio é uma especialista em cultura árabe, tem ousadia de dizer publicamente que se sente assombrada pelo Islão e que devemos ter coragem de esclarecer o que separa a islamofilia da islamofobia, hoje tão em voga com os horrores do integrismo e com os temores da nossa própria segurança.
Primeiro, o Islão não se limita a avançar, galopa. Com 500 milhões de fiéis em 1973, actualmente este número ascende a 1,2 mil milhões, sendo a única religião monoteísta que continua diariamente a conquistar crentes. A Umma (comunidade de fiéis) não é nem homogénea nem ideológica. O Islão está no Norte de África, mas também no Centro deste continente, na Ex- Joguslávia, na Turquia, da Arábia às Filipinas. Há países islâmicos ricos como o Kuwait, a Líbia ou a Arábia Saudita mas também uns muito pobres, como o Mali e o Bangladesh. Há muçulmanos nacionalistas, internacionalistas, burgueses, revolucionários, citadinos e camponeses. A Umma é todo o planeta, está acima dos cismas e do caos, daquilo que para nós é incompreensível quando vemos as amostras do terrorismo xiita e sunita. Há fascínio pelo Islão no Oriente e no Ocidente. No Oriente pensa-se que o Ocidente falhou, aqueles que se convertem ao Ocidente rejeitam o individualismo, procuram o centro vital, o acolhimento do Islão que é superior aos conflitos dos indivíduos.
Segundo, onde o Islão propõe certezas, os outros monoteísmos convidem à dúvida. No Corão não há dúvida, o que já não sucede nas religiões judaicas e cristã. Cristo teve angústia na cruz, Jacob luta contra o anjo, os judeus estão à espera da segunda vinda, Abraão teve a relutância em sacrificar Isaac. No Corão e pelo Corão a proposta é a prosternação, a adoração cinco vezes por dia exigindo o empenho do corpo e do espírito. Convém não esquecer que o Corão é um texto unitário e polifacetado, fixa os dogmas mas também as normas de comportamento e pode ser lido como uma valiosa obra literária. O Islão estabelece uma união directa e pessoal entre Deus e o Homem. Este Deus é o Criador, o Único, o Verdadeiro, o Guardião, o Clemente, o Omnipotente e o Misericordioso.
Terceiro, o islamismo fala das múltiplas atracções dos Orientes. Porque na cultura ocidental, sabe-se que há o Corão, uma espiritualidade, que ficou um legado monumental entre a ciência e a literatura, há as obras primas da arquitectura, restam os vestígios do poderoso império, mas os Orientes significam as cruzadas, o império otomano, as independências com a descolonização, Lawrence da Arábia, o petróleo, a mística, as mesquitas, o conflito israelo-árabe. Reza-se cinco vezes ao dia e o muezim é a personificação da fé viva. Goethe, Bonaparte, Delacroix são alguns dos nomes sonantes atraídos pela organização islâmica. A autora invoca, compreensivelmente, nomes franceses como Louis Massingnon ou René Guénon, a propósito de intelectuais que quiseram escapar à liberdade individual e viver em comunidade, ouvindo o muezim repetir incansavelmente o canto do mundo imóvel. O Ocidente é uma sociedade fria, o Islão uma comunidade calorosa, não é incomum dizer-se.
Quarto, o conflito israelo-árabe, doa a quem doer é o pesadelo permanente de uma lei rival que se intrometeu na matriz oriental islâmica. Por vicissitudes históricas, os judeus regressaram à terra prometida, a um teatro da bíblia, das línguas suméria e acádia, ao local onde Maomé julgou poder integrar os judeus. E temos Jerusalém, uma cidade santa das três religiões monoteístas. Israel é o espinho cravado no Oriente islâmico. Mas foi Israel que revitalizou o fascínio que os muçulmanos e os seus simpatizantes dedicam ao Islão. Este conflito sangrento multiplicou as adesões e consolidou o islamismo como a segunda maior religião do mundo.
Quinto, o Islão é um deslumbramento e um paradoxo permanentes. Intrigou o comunismo, o maoismo, é uma cultura incómoda para o capitalismo e para as regras democráticas estabelecidas na Magna Carta e na Revolução Francesa. O 11 de Setembro de 2001 e os horrores do seu integrismo justificaram que se repensasse o Islão e a sua espiritualidade. Igualmente, obrigou a repensar o papel dos muçulmanos no continente europeu, e como é que estas duas poderosas religiões se devem conciliar. Também o Islão está a ser sacudido em conceitos tidos por ancestrais e definitivos: o papel da família e da mulher, bem como a partilha de funções no feminino e no masculino, a violência e a punição, o acesso ao conforto e os direitos do indivíduo.
Estes são os mais importantes termos de reflexão que nos ajudam a compreender para além de um possível confronto ou diálogo que paira sobre estas duas formas de civilização, o Ocidente fascina pelas suas riquezas materiais e o Islão atrai pela religião, pela estética, pelo valor da oração, pelo esplendor perdido e sonhado. Esta a rejeição da modernidade que leva multidões a aderir a esse modo de vida onde todas as dúvidas são curadas pela convicção indiscutível no que está escrito no Corão.
Publicado: 19 / Junho / 2007 | Categoria(s): Geral.
Sem comentários:
Enviar um comentário