Lula em Moçambique - Dois minutos com Nelson Mandela e outras notícias de Maputo
17/10/2008
MAPUTO (MOÇAMBIQUE) - Em geral mitos se formam ao longo de décadas, e santos são canonizados após a morte. Nelson Mandela é um caso raríssimo na história, e certamente único nos dias de hoje, de uma pessoa mitificada ainda em vida, “santificada” ainda entre nós.
Luiz Inácio Lula da Silva tinha um objetivo especial em sua visita a Moçambique: tomar um cafezinho com o mito sul-africano, ainda que fossem dez minutinhos. Após uma demorada negociação do Itamaraty com sua mulher, a moçambicana Graça Machel, conseguiu-se encaixar uma visita do nosso presidente ao ícone sul-africano para ontem à tarde (Mandela mora em Johannesburgo , na África do Sul, mas vem muito a Maputo, onde fica hospedado na casa de Graça).
Quando saiu a programação oficial da viagem de Lula a Moçambique, no início da semana, nós jornalistas enchemos a boca d’água. Instantaneamente fui atraído, e sei que meus colegas também foram, para um item perdido no meio da tarde: visita a Nelson Mandela. Está aí um evento histórico, pensei, a chance de um respiro no árduo roteiro de discursos aborrecidos e reuniões intermináveis que é cobrir uma viagem presidencial ao exterior.
Havia um problema, no entanto, que se manifesta em cinco palavrinhas que fazem tremer qualquer jornalista: evento fechado para a imprensa. Numa reunião aqui em Maputo na quarta-feira à noite, o Itamaraty nos alertou que não havia chance de entrarmos na casa de Mandela para acompanhar o encontro. O sul-africano está com 90 anos, tem saúde frágil e um histórico de doenças. É, na verdade, um milagre que um homem que passou 27 anos de sofrimento na prisão ainda esteja vivo. Sua mulher estava irredutível quanto à privacidade do encontro, e ameaçava até mesmo cancelá-lo se houvesse insistência demais de nossa parte. Seria uma reunião rápida, de Lula e seu tradutor com Graça e Mandela. Nem o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, poderia ver Mandela, quanto mais nós jornalistas.
Na reunião com o Itamaraty, argumentamos que mesmo assim valia a pena acompanhar, nem que fosse do lado de fora, na calçada, separados de Mandela por um altíssimo muro da mansão de Graça Machel. Nessas horas, usa-se um argumento impecável: o “não” eu já tenho. Portanto, levar um “não” no dia da visita não seria grande prejuízo. Prejuízo seria se por acaso Mandela aparecesse na sacada para um tchauzinho e nós não estamos lá. Após muita relutância, o Itamaraty concordou em nos levar para o plantãozinho na calçada.
Nosso microônibus, carregando, além de mim, colegas de o Globo, o Estadão, TV Globo, BBC e TV Brasil, chegou junto com a comitiva de Lula pontualmente às 15h na casa de número 1960 da rua João de Barros, no centro de Maputo. Um muro alto e dois seguranças ali estavam. Um portão de correr abria eventualmente para entrada ou saída de algum carro e nos dava preciosos segundos para espiar o jardim interno da monumental casa dos Mandela.
O sol ia forte, os jornalistas reclamávamos do cansaço, da conexão lenta de internet no hotel, do fato de Lula não ter nos dado entrevista ainda (três clássicos da reclamação jornalística) e tudo se encaminhava para mais um plantão frustrado numa calçada qualquer. Não havia qualquer expectativa de ver Mandela. Mas aí uns 15 minutos depois um senhor moçambicano saiu de dentro da casa e nos avisou que iríamos entrar e esperar no jardim interno. Um passo importante havia sido dado.
Entramos, após enfrentarmos detector de metal. A casa, como já disse, é monumental. Um gramado espetacular, paredes envidraçadas e uma marquise branca na entrada.
Mandela, após 27 anos vivendo num cubículo, tirava o atraso em seus anos finais.
Mais 15 minutos e um senhor branco e careca, um sul-africano, aproxima-se da rodinha de jornalistas e pergunta se alguém fala inglês. Todos falamos. E ele explica que o inacreditável acontecerá: Mandela vai sair com Lula, para dar uma rápida saudação. Nós iremos nos aproximar até alguns metros da porta quando o momento chegar. A empolgação é geral.
O moçambicano que nos botou para dentro reaparece: “Sem flash, estamos entendido?”. Anos de trabalho numa pedreira em Robben Island, a ilha-prisão na Cidade do Cabo, com o sol refletindo no chão e atingindo em cheio as pupilas de Mandela, tornaram muito sensível sua visão.
Às 15h35, a porta se abre e somos chamados a nos aproximar. A primeira a aparecer é Graça Machel, simpaticíssima, diferente da figura da bruxa dominadora que havia sido pintada para nós. “Ainda não é comigo”, diz em português para os fotógrafos, com largo sorriso.
Mandela vem alguns segundos atrás, com andar extremamente lento, apoiado numa bengala na mão direita e em Lula no braço esquerdo. Veste uma de suas tradicionais camisas coloridas e estampadas, que na África do Sul são chamadas de “Mandela shirts”. Sua dentição é perfeita, e ele usa um aparelho para surdez.
Seguem-se segundos de silêncio –na verdade, de barulhos de câmeras fotográficas trabalhando nervosamente. Lula brinca com os jornalistas: “Sem perguntas aqui”.
Até que o presidente pede para seu tradutor, Sergio Ferreira, perguntar a Mandela se ele gostaria de dizer alguma coisa.
“É uma honra muito grande para mim receber o presidente Lula”, começa ele, na sua famosa voz rouca. “Até porque, na minha idade, eu deveria estar cavando uma cova para mim”. A frase em inglês é “In my age, I should be digging a grave for myself”, mas o tradutor de Lula entende “credit” no lugar de “grave”, e traduz errado, como “Na minha idade, eu deveria estar pegando todo o crédito para mim”.
É imediatamente corrigido por Graça, que traduz corretamente. Aquele era Mandela exercitando mais uma de suas famosas habilidades: a da auto-ironia.
Mais algumas fotos, e Mandela faz nova piadinha para os fotógrafos. “Se quiserem, eu posso me sentar no chão”.
Dois minutos contados no relógio, e a aparição se encerra. Graça agradece a Lula efusivamente: “Muitíssimo obrigada”. Lula responde com um “te espero no Brasil”. Abraça Mandela antes de o velho homem se virar e, novamente a passos lentíssimos, retornar para dentro.
São segundos incríveis estes finais, com Mandela já de costas, sumindo de nossas vistas. Ali ao nosso lado, Lula acompanha, paralisado como nós, a saída de cena do grande homem. Quieto, disponível por preciosos segundos, ele que é caçado por repórteres noite e dia. Mas dessa vez ninguém se interessa em estender um gravador e perguntar sobre as dificuldades de Marta Suplicy, ou a crise financeira. A poucos metros estava Nelson Mandela.
Escrito por Fábio Zanini
16/10/2008
Lula popstar
MAPUTO (MOÇAMBIQUE) – Lula chega hoje para uma visita de dois dias, mas parece que é a Madonna para dois megaconcertos. Várias pessoas com quem conversei, e que me identificam imediatamente como brasileiro pelo sotaque, perguntam sobre a vinda do presidente.
Ontem à noite tive de voltar ao aeroporto para pegar minha mala, que havia ficado para trás na conexão em Johannesburgo (não há limites para meu azar com malas em viagens) e o carrega-mala, um senhor chamado Rui, me perguntou se era verdade que Lula ficaria para um terceiro mandato (ele já sabia que nosso presidente havia sido eleito e reeleito). Respondi que o rumor existe, mas que é negado pelo governo e que me parece pouco provável. Ele ficou inconsolável:
“Mas por que não? Seria muito bom para o Brasil e para o mundo”.
E emendou num discurso de fazer inveja aos lulistas mais roxos. “O Lula é um grande presidente, ele abriu o país, conseguiu colocar o Brasil no mundo”.
E ainda: “Ele é de esquerda, não é”? Respondi que sim, teoricamente pelo menos. “Pois se ele ficasse mostraria que a esquerda é que está com a razão!”, disse o comentarista político aeroportuário.
A seu lado, uma senhora que fez a alfândega da minha mala dava sorrisos de aprovação, lamentando apenas que teria que ficar trabalhando até as 4h da manhã, o horário marcado da chegada do avião presidencial, vindo da Índia.
Antônio, um dos taxistas que me carregaram para cima e para baixo ontem, sabia que Lula chegaria pela manhã, que passaria 36 horas no país e que entregaria uma fábrica de remédios anti-retrovirais (na verdade, um escritório da Fiocruz). Nosso presidente emplacou a manchete de ontem de um dos principais jornais moçambicanos, “O País”.
Por que tanta expectativa com nosso presidente? Primeiro porque ele sempre traz um pacote de bondades (além da Fiocruz, inaugura um projeto do Sesi). Segundo, porque sua figura barbuda realmente hoje é conhecida na África (pelo menos a de língua portuguesa). E terceiro, creio, porque é da cultura política do africano agarrar-se a um líder forte e protetor. Vem daí o espanto do senhor do aeroporto: se ele é tão bom para nós, porque não fica mais um mandato? É a lógica peculiar de um continente em que é comum um presidente passar 20 anos no poder.
Escrito por Fábio Zanini
Maputo: brisa, silêncio e pastéis
MAPUTO (MOÇAMBIQUE) – É a segunda vez que venho a Maputo (a primeira foi há cinco anos), e embora a capital moçambicana esteja muito mais movimentada agora, com o som de britadeiras provando que esta é uma economia em expansão rápida, a cidade continua intrigantemente pacata.
Ontem à tarde fui dar uma volta pelo centro e a pergunta que me fiz foi: isso aqui é mesmo o centro? O estereótipo da capital africana, congestionada, barulhenta, feia e suja, aqui não se aplica. Não se trata de repetir a máxima consagrada pelo presidente Lula, de que “é tão limpinho que nem parece a África”. Maputo é uma cidade decididamente africana, com suas minivans atropelando quem bobear no meio da rua, camelôs vendendo DVDs piratas e máscaras artesanais, e os inevitáveis anúncios de feitiçaria.
Mas tem um toque meio caribenho, avenidas largas, o oceano Índico na paisagem, e mais árvores do que você jamais verá no centro de São Paulo.
Quando os portugueses decidiram controlar o sul da África, lá pelo século 15, adotaram a estratégia irretocável de controlar suas duas pontas, a do Atlântico e a do Índico, e o resto viria como conseqüência. Não foi bem assim que funcionou, mas isso é outra história. As duas cidades que viraram cabeça de ponte do projeto, Luanda de um lado e Lourenço Marques (hoje Maputo) de outro, não poderiam ser mais diferentes.
Luanda é um inferno de congestionamentos, gente gritando, arranha-céus e favelas monumentais. Maputo não adquire um ar metropolitano nem na hora do rush. Ontem levei exatos 15 minutos às 18h30 do centro da cidade até o aeroporto, distante 10 km. De noite, voltando para o hotel, notei um casal correndo de maneira estranha pelas calçadas. Depois outro, depois um grupinho, depois dezenas e dezenas, inclusive um branco gordo que se matava para subir uma ladeira. Eram pessoas fazendo cooper em pleno centro da capital do país, como se Maputo fosse um grande Central Park.
Luanda torna-se uma zona proibida após certa hora da noite. Em Maputo, caminhar pelo centro de madrugada, como fiz ontem ao sair de um restaurante, é uma delícia. Luanda é feia, perigosa, Maputo tem alamedas e tiozinhos sentados nas dezenas de pastelarias da cidade, tomando seu cafezinho da tarde.
O angolano fala rápido, sorri pouco, às vezes parece agressivo a quem não está acostumado. O moçambicano é todo simpatia, e assumidamente opera em marcha lenta.
Por outro lado, é Angola hoje quem dita o ritmo cultural da África lusófona, e de grande parte da África, aliás, com suas jazidas de petróleo gigantescas, uma economia vibrante e as mais interessantes expressões culturais dessas bandas, do kuduru (uma espécie de funk local) ao rap à crescente paixão deste continente pelo basquete.
Se você quer estar onde as coisas acontecem na África, é para Angola que deve ir. Mas se quer viver bem, comer um bacalhau e um pastel de Belém e aproveitar a brisa oceânica, sua opção é Maputo.
Escrito por Fábio Zanini
13/10/2008
As muitas promessas de Lula para a África
Lula fará na quinta e sexta-feira dessa semana mais uma viagem à África, sua nona, dessa vez para Moçambique. Estarei in loco cobrindo para a Folha de S. Paulo e blogando para Pé na África.
Como sempre, ele vai com mais um pacote de bondades, como tem sido sua especialidade. Dessa vez, é dos grandes, com coisas bem concretas: a inauguração de um escritório da Fundação Oswaldo Cruz, especializado na fabricação de remédios anti-retrovirais, e de uma unidade do Sesi, para dar qualificação profissional aos moçambicanos.
Nem sempre é assim: Lula muitas vezes promete, promete, promete, mas não entrega. Muitas vezes nem é culpa sua, mas dos processos burocráticos que atrasam em muito a concretização dos protocolos de intenção. Vira e mexe ele cita o exemplo de um avião da FAB para jogar spray em pragas de gafanhotos, que ele prometeu para o presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, em 2003. Lula só não sabia que isso dependia de autorização do Congresso Nacional. Quando a autorização saiu, os gafanhotos já tinham feito a festa.
Meus colegas da Sucursal de Brasília da Folha Iuri Dantas e Simone Iglesias fizeram um levantamento impressionante das várias promessas feitas por nosso presidente aos africanos em diversas viagens. Veja só algumas:
Em São Tomé e Príncipe:
Ajudar a formar técnicos na área de petróleo, enviando ao país funcionários da Petrobras;
Dar bolsas de estudo nos níveis de graduação e pós-graduação, em universidades brasileiras;
Ajuda no combate a Aids e à malária e capacitação e o treinamento de pessoal;
Parceria de longo prazo na reestruturação das Forças Armadas;
Em Angola:
Cooperar nas imunizações e combate à malária;
Apoio no combate à epidemia da Aids;
Apoio à reestruturação do programa de ensino básico e médio em Angola;
Em Moçambique:
Perdoar grande parcela da dívida;
Ajudar na capacitação técnica no setor do agronegócio;
Implementar projeto de monitoramento hidrológico e ambiental, usando satélites brasileiros;
Na Namíbia:
Intercâmbio acadêmico;
Oferecer bolsas de graduação e pós-graduação a estudantes;
Treinamento e cessão de tecnologias de cultivo;
Na África do Sul:
Comercialização de máquinas e equipamentos, e até mesmo aeronaves;
No Gabão:
Ajudar com conhecimento científico e tecnológico, formação de empreendedores, e na formação de universitários;
Parcerias na construção de laboratórios para a produção de remédios para combater a AIDS e financiamento de obras de infra-estrutura;
Em Cabo Verde:
Colaborar em tecnologia para desenvolvimento sustentável da agricultura e pecuária;
Formação de empreendedores por meio da Embrapa;
Em Camarões:
Programa de cooperação técnica sobre o cacau;
Implementar o Programa Executivo em Educação Superior para favorecer o intercâmbio de professores universitários;
Retomada na atuação de empresas de engenharia brasileiras na construção da infra-estrutura de energia e transportes;
Na Nigéria:
Transferência de tecnologia brasileira na produção de medicamentos anti-retrovirais;
Cooperação na área energética.
Em Gana:
Cooperação na produção de sal;
Concessão de bolsas de estudos para universitários;
Intercâmbio de professores em nível de pós-graduação;
No Senegal:
Ações conjuntas nos domínios da agricultura, da saúde e da educação;
Ajudar na superação da exclusão digital.
Em Burkina Faso:
Cooperar por meio de investimentos e transferência de tecnologia nas áreas de café, soja, açúcar e carne.
Compartilhar experiência brasileira na produção, escoamento e comercialização do algodão.
Na República do Congo:
Transformar a dívida bilateral do Congo em linhas de financiamento para a compra de bens e serviços brasileiros;
A maioria dessas ações são de longo prazo, e portanto é difícil medir seu progresso. Às vezes parece que Lula, na ânsia de inserir politicamente o Brasil na África, sai prometendo a torto e a direito acima da sua capacidade de entregar a mercadoria.
Mas num ponto nosso presidente tem razão. É melhor oferecer bolsas universitárias do que armas e munição a governos corruptos, como fazem França, Rússia, Reino Unido, EUA...
Escrito por Fábio Zanini
http://penaafrica.folha.blog.uol.com.br/arch2008-10-12_2008-10-18.html
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