quarta-feira, agosto 6

As imbatíveis e inesgotáveis forças do Espiritismo - Allan Kardec1

Allan Kardec1

Falsíssima idéia formaria do Espiritismo quem julgasse que a sua força lhe vem da prática das manifestações materiais e que, portanto, obstando-se a tais manifestações, se lhe terá minado a base. Sua força está na sua filosofia, no apelo que dirige à razão, ao bom-senso. Na antiguidade, era objeto de estudos misteriosos, que cuidadosamente se ocultavam do vulgo. Hoje, para ninguém tem segredos. Fala uma linguagem clara, sem ambigüidades. Nada há nele de místico, nada de alegorias suscetíveis de falsas interpretações. Quer ser por todos compreendido, porque chegados são os tempos de fazer-se que os homens conheçam a verdade. Longe de se opor à difusão da luz, deseja-a para todo o mundo. Não reclama crença cega; quer que o homem saiba por que crê. Apoiando-se na razão, será sempre mais forte do que os que se apóiam no nada.
Os obstáculos que tentassem oferecer à liberdade das manifestações poderiam pôr-lhe fim? Não, porque produziriam o efeito de todas as perseguições: o de excitar a curiosidade e o desejo de conhecer o que foi proibido. De outro lado, se as manifestações espíritas fossem privilégio de um único homem, sem dúvida que, segregado esse homem, as manifestações cessariam. Infelizmente para os seus adversários, elas estão ao alcance de toda gente e todos a elas recorrem, desde o mais pequenino até o mais graduado, desde o palácio até a mansarda. Poderão proibir que sejam obtidas em público, sabe-se, porém, precisamente que em público não é onde melhor se dão e sim na intimidade. Ora, podendo todos ser médiuns, quem poderá impedir que uma família, no seu lar; um indivíduo, no silêncio de seu gabinete; o prisioneiro, no seu cubículo, entrem em comunicação com os Espíritos, a despeito dos esbirros e mesmo na presença deles? Se as proibirem num país, poderão obstar a que se verifiquem nos países vizinhos, no mundo inteiro, uma vez que nos dois hemisférios não há lugar onde não existam médiuns? Chegassem mesmo, o que não seria mais fácil, a queimar todos os livros espíritas e no dia seguinte estariam reproduzidos, porque inatacável é a fonte donde dimanam e porque ninguém pode encarcerar ou queimar os Espíritos, seus verdadeiros autores.
O Espiritismo não é obra de um homem. Ninguém pode inculcar-se como seu criador, pois tão antigo é ele quanto a criação.

Nunca perdi de vista que não passo de um instrumento nas mãos da Providência. Convencido da verdade desta Doutrina, e do bem que ela está chamada a produzir, tratei de lhe coordenar os elementos; esforcei-me por torná-la clara e inteligível para todos. É tudo quanto me cabe e, assim, jamais me considerei seu criador: a honra pertence inteiramente aos Espíritos.
Nos trabalhos que tenho feito para alcançar o objetivo a que me propunha, sem dúvida fui ajudado pelos Espíritos, como eles próprios já me disseram várias vezes, mas sem o menor sinal exterior de mediunidade. Assim, não sou médium, no sentido lato da palavra, e hoje compreendo que é uma felicidade que assim o seja. Por uma mediunidade efetiva, eu só teria escrito sob uma mesma influência; teria sido levado a não aceitar como verdade senão o que me tivesse sido dado, e talvez injustamente, ao passo que, na minha posição, convinha que eu desfrutasse de uma liberdade absoluta para captar o bom, onde quer que se encon¬trasse e de onde viesse. Foi possível, assim, fazer uma seleção dos diversos ensinamentos, sem prevenção e com total imparcialidade. Vi muito, estudei muito e observei bastante, mas sempre com o olhar impassível; nada ambiciono, senão ver a experiência que adquiri posta em proveito dos outros.
Se se consi¬derar que o Espiritismo deve a sua propagação às suas próprias forças, sem contar com o apoio de nenhum dos meios auxiliares que, em geral, fazem tanto sucesso, e malgrado os esforços de uma oposição sistemática ou, antes, em virtude mesmo desses esforços, não podemos deixar de ver nisto o dedo de Deus. Se seus inimigos, embora poderosos, não lhe puderam paralisar o avanço, forçoso é convir que o Espiritismo é mais poderoso que eles.
Se dissermos que o segredo de seu poder está na vontade de Deus, os que não crêem em Deus escarne¬cerão. Há também pessoas que não negam a Deus, mas se julgam mais fortes que Ele; esses não riem: opõem barreiras, que imaginam intransponíveis e, contudo, o Espiritismo as ultrapassa todos os dias e sob suas vistas. É que, efetivamente, ele tira da sua natureza, de sua própria essência, uma força irresistível. Qual, então, o segredo dessa força? Teremos que a ocultar, receando que, uma vez conhecida e a exemplo de Sansão, seus inimigos aproveitem para derrubá-lo? De modo algum. No Espiritismo não há mistérios; tudo se faz às claras; podemos revelá-lo sem temor, altivamente. Embora já o tenha dito, talvez não seja fora de propósito repeti-lo aqui, a fim de que se saiba que se entregamos aos adver¬sários o segredo de nossas forças é porque também lhes conhecemos o lado fraco.
A força do Espiritismo tem duas causas prepon¬derantes: a primeira é tornar felizes os que o conhecem, o compreendem e o praticam. Ora, como há pessoas infelizes, ele recruta um exército inumerável entre os que sofrem. Querem lhe tirar esse elemento de propa¬gação? Que tornem os homens de tal modo felizes, moral e materialmente, que nada mais tenham a desejar, nem neste, nem no outro mundo. Não pedimos mais, desde que o objetivo seja atingido. A segunda é que o Espiritismo não se assenta na cabeça de nenhum ho¬mem, sujeitando-se, assim, a ser derrubado; não tem um foco único, que possa ser extinto; seu foco está em toda parte, porque em toda parte há médiuns que po¬dem comunicar-se com os Espíritos; não há família que não os possua em seu seio e que não realizem estas pala¬vras do Cristo: Vossos filhos e filhas profetizarão, e terão visões; porque, enfim, o Espiritismo é uma idéia e não há barreiras impenetráveis à idéia, nem bastante altas que estas não possam transpor. Mataram o Cristo, mataram Seus apóstolos e discípulos. Mas o Cristo tinha lançado no mundo a idéia cristã, e esta idéia triunfou da perseguição dos Césares onipotentes. Por que, então, o Espiritismo, que não é senão o desenvolvimento e a aplicação da idéia cristã, não triunfaria de alguns zombeteiros e de antagonistas que, até o presente, a despeito de seus esforços, só lhe puderam opor uma negação estéril? Haveria nisto uma pretensão quimérica? Um sonho de reformador? Aí estão os fatos para res¬ponder: o Espiritismo penetra em toda parte, a despei¬to de tudo e contra tudo; como o pólen fecundante das flores, é levado pelos ventos e finca raízes nos quatro cantos do mundo, porque em todo lugar encontra uma terra fecunda em sofrimentos, sobre a qual derrama o bálsamo consolador. Suponde, então, o estado mais absoluto que a imaginação possa sonhar, recrutando toda a gente de seus esbirros para deter a idéia ao pas¬sar: poderão impedir que os Espíritos entrem nela e se manifestem espontaneamente? Impedirão que os mé¬diuns se formem na intimidade das famílias? Suponha¬mo-la bastante forte para impedir de escrever, para proibir a leitura dos livros; poderão impedir de ouvir, desde que há médiuns auditivos? Impedirão o pai de receber consolações do filho que está no Mundo Maior? Vedes, pois, que é impossível, e que eu tinha razão em dizer que o Espiritismo pode, sem receio, entregar aos inimigos o segredo de suas forças.

1- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 83.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2002, conclusão: Tomo VI, § 1 e 2 e Viagem espírita em 1862. Rio de Janeiro:FEB, 2005, p.p. 208-211.


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