sexta-feira, julho 25

Digam àquelas meninas...

Digam àquelas meninas...


digam àquelas meninas que me mandavam flores
que por aqui as águas de março consomem luzes
e os quarteirões estão voando sobre telhados
digam a elas que as alamedas estão molhadas
há portas com ferrugens demais nos trincos;
digam que meu cérebro está à mercê de um futuro poema
uma preciosíssima palavra se desmanchou dentro do relicário

eu chamei os bombeiros, os filólogos, os fonemáticos experimentais,
estou procurando por Halliday
um lingüista louco me perseguindo
depois da torre de babel
uma folha queimada pelas beiras,
um poema pós-guerra quase inédito
guardado na biblioteca da casa branca
que maravilha ficar juntando nuvens esmigalhadas concha a concha
digam àquela menina que caiu da passarela que virão outros carnavais
que entre o monge e o rinoceronte eu vejo versos outonais
caem as folhas
as máscaras
as flores decaem
decadência
a poesia que me (a)trai
digam que eu me retirei com o sol nas mãos
calço ainda as mesmas sandálias transparentes
meus óculos líquidos saboreiam uvas e ventos
passeando pela garganta de Pablo Neruda
por isso eu vejo naves espaciais e gangorras das minas gerais
enquanto tomo a sopa mágica de meu tataravô
digam àquela menina que me retirou de suas súplicas religiosas
nem dei por conta
se Jesus não me avisasse quando fui ao supermercado...

vejam flores
vejam meninas
é quase hora de dormir
licor de menta-malagueta
um gole de fogo devorando moinhos
há dores infernais zombando silenciosas
de punhais a punhais
digam àquelas meninas que eu não tenho armas
isso é irrevogável para quem foi à guerra
ninguém vai nos reunir
não pertencemos ao mesmo romance
lamentos de porcelana não se recompõem
fragilidades feridas são noites após mortes
cacos em cacos
concha a concha
de punhais a punhais
a quase hora de dormir é uma agonia formidável

sabe, meu amor, eu vi você chorar


Edmir Carvalho Bezerra

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