sábado, junho 14

Enxuga meus olhos, Verônica


Tanta teoria sobre poesia

dias que me deixo triste

noutros choro de alegria





I



Eu li chuvas demais nesta cidade

vampiros sugam mangas ao som da ave-maria

rodas gigantes deixam meninos-girafas encantados

as pipocas caem pelo chão.

Não escrevo pensando na cidade física

leio versos de setenta escorpiões

e relógios d’água.

O poeta é muito triste

tem incompreensões e vertigens subjetivas

a futura esposa que se chama (in)sônia

anda perdida e envenenada de amor proibido

somente eu vejo os escorpinídeos

nas minhas veias inocularem suas peçonhas

isso me acalma a ponto de sangrar gritos.



Chamo-te com teu véu:

- enxuga meus olhos, Verônica!



II



É proibido ser poeta nesta cidade

os palhaços em pernas de pau tristíssimos

padeiros infelizes fabricantes de pães machucados.

Não leia versos em praça pública

o poeta pode ser apedrejado

há músicos tocando tambores [pobres tambores]

estridentes arritmias sabidamente ridículas

pintaram os cabelos

[pobres cores berrantes]

músicos risíveis.



Os sons das senzalas clamavam sentidos

Liberdade liberdade liberdade

- Vocês? são machucadores de bumbos.



Uma sonata dorme na faixa de pedestre

as linhas brancas uma partitura perdida

fazer silêncio é um espetáculo impossível nesta cidade.



Pensar em coisas que tragam melodia

ter saudade

ter agonia

ter u ma(r) janela

chorar diante de uma igreja

sonhar com portas de tabacarias

lambuzar os olhos numa fotografia

como fazem poetas gemendo fotopoemas



- É devaneio, Verônica!

Traga seu lenço para enxugar pinturas líricas.



III



Há homens lançando redes sobre mangas

pescaria no vento com chuva

a imagem de Cristo no sudário encardido...



Homens puxando carroças

passam gemendo em frente à basílica

pontiaguda a nave aponta o céu

soa e estremece a pedra de São Pedro

a mulher hierosolimita entoa um canto

enxuga o rosto de um homem suado

Ou será uma face chorando...



IV



É muito tarde para adorações de poetas

contemplações de poesia

somente nos epitáfios

sempre sempre para sempre

alucinados ganham fama

ao entrarem em órbita

após o óbito

após o para sempre.



Ao redor de seus nardos

crescem arbustos decolores e perenes

deitadas e comovidas a milênios

flores alvas

róseas

azuis

púrpuras

lilases

forram um campo ocioso onde Jesus passeava.



Essas flores possuem o mesmo nome:

Verônica



Edmir Carvalho Bezerra

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