Jornal Metro - Entrevista da InfoNature.Org sobre os Sem-abrigo no Natal.
1. Como se envolveu no projecto e quando?
Este projecto teve os seus inícios no verão de 2003.
Nessa altura os coordenadores da organização como eu próprio, percebiam que havia uma grande necessidade de dar mais algum apoio extra a pessoas necessitadas, em especial os sem-abrigo, e, tentou-se criar várias formas de o fazer, obviamente dentro do limite de recursos humanos e monetários, que é sempre o grande problema e que atrasam o desenvolvimento dos projectos.
No entanto o projecto ainda está em constante evolução, visto que os nossos objectivos são ambiciosos e requerem bastante tempo para poderem ser concretizados. Um dos nosso grandes objectivos, é ajudar a criar várias centenas de pequenos núcleos de voluntários, um pouco por todo o país, que de forma semi-independente, possam fazer o mesmo que já fazemos em determinadas zonas da cidade de Lisboa.
2. Ao contrário de várias famílias, vai passar a noite de natal na rua a ajudar quem precisa. Para si, o Natal assim tem mais sentido, porque está a ajudar alguém, ou tem de alguma forma pena de não passar o natal com a sua família?
Na minha opinião e da de muitos voluntários que trabalham connosco, temos realmente essa noção que, o verdadeiro significado do natal não é o consumismo, mas tem sim por base a entreajuda e a partilha de amizade, carinho e amor por outras pessoas.
Não é realmente muito fácil estar-se longe de casa da família nesta altura, mas fazemo-lo de bom grado, visto que há muitas outras pessoas que estão a passar por adversidades gravíssimas e que precisam de todo o carinho, em que um simples sorriso nosso lhes pode encher o coração de alegria.
Normalmente as pessoas consideram a altura do Natal como sagrada para passarem tempo com a família, infelizmente para os sem-abrigo entre outras pessoas necessitadas, o Natal acaba por ser um pouco mais triste que nos outros dias, visto que regra geral, são pessoas abandonadas pela família e amigos, e que por isso obviamente sentem uma grande solidão, o que a nível emocional, psicológico e mesmo social, é uma adversidade muito grande pelo qual eles passam.
São por isso, também denominados como "os excluídos" da sociedade, pela própria sociedade que os exclui de forma discriminatória.
É verdade que o Natal é uma época mais especial e que há muitas pessoas que gostariam de fazer alguma coisa por pessoas carenciadas, sendo que estas pessoas merecem receber alguma atenção, mas a questão é que deveria ser “Natal” todos os dias do ano, em que o altruísmo fosse uma prática do dia a dia.
3. Como reagem os sem-abrigo nessas noites? Imagino que seja uma das melhores noites da vida deles. Estou correcta?
Essa questão é relativa, visto que pode ser uma experiência muito diferente para cada pessoa.
Em certas situações e sentidos, poderá ser uma altura mais favorável, ao por exemplo participarem e conviverem em festas de natal organizadas por várias organizações e dedicadas aos sem-abrigo e outras pessoas necessitadas. No entanto, para a maioria esta altura poderá reforçar ainda mais o sentimento de solidão e desespero, por se sentirem abandonados e acharem que ninguém se importa com eles, por não sentirem mais esperança de poderem ter uma vida melhor, por verem na rua as pessoas com posses a sorrir com as suas famílias enquanto gastam imenso dinheiro com prendas supérfluas enquanto que eles próprios não têm companhia e nem sequer dinheiro têm para uma simples sandes e passam fome, por regra geral serem tratados com imensa indiferença, descriminação e em muitos casos até mesmo repulsa devido à falta de compreensão, consciência e preocupação das pessoas. Pode-se dizer com toda a justiça que devido a todos estes motivos, a dor que estas pessoas sentem dentro de si é incomensurável.
4. Acha que mais pessoas deviam estar sensibilizadas para fazer este trabalho nas ruas?
Sem dúvida. Para além da diferença positiva que fazemos na vida de outras pessoas, considero que fazer voluntariado contribui e muito para o desenvolvimento pessoal e espiritual da pessoa que o faz, visto que o voluntariado é uma forma altruística de trabalho, que não é baseado naquilo que podemos receber, mas sim no que podemos oferecer, a quem mais precisa. No entanto há imensos factores que impedem que isso se concretize e que levem as pessoas a agir, sendo os factores mais importantes a incompreensão, o egoísmo e a inércia. Muitas pessoas só fazem alguma coisa se receberem outra em troca, nomeadamente bens materiais, no entanto as pessoas que ajudam outras pessoas, recebem outras coisas que são muito especiais e que provêm de dentro da alma e do coração, o de sentirem uma alegria e realização verdadeiras de saber que uma outra pessoa pode sorrir e sentir alegria perante o fruto do nosso trabalho.
É uma das melhores alegrias da vida, e quem pratica voluntariado, normalmente sente isso dentro de si.
5. Nessa acção não ajudam só os sem-abrigo, mas também os animais abandonados, certo?
Os animais também merecem a preocupação das pessoas nesta época. Acha que as pessoas não pensam muito nisso?
Sim, tentamos na medida do possível, dar alguma assistência a animais abandonados que encontremos e que precisem de cuidados imediatos. Normalmente daremos alguma comida e em casos mais urgentes por exemplo, devido a questões de saúde, poderemos tentar levar para alguma associação que possam cuidar deles.
Infelizmente, se a nível geral, a realidade da sociedade para com os sem-abrigo já é bastante negativa, para com os animais abandonados é muito pior. Se muitas pessoas nem sequer pensam e se preocupam com a questão dos sem-abrigo, então em relação a animais “não racionais” (não humanos) ainda muito menos, visto que podem olhar para estes seres mais como “coisas”, "objectos" incapazes de sentir dor, felicidade ou outras emoções (o que é absolutamente falso, pois são seres vivos sencientes), do que como seres que merecem todo o nosso respeito.
Por fim, gostaria de salientar que existe mais que riqueza suficiente para terminar com a pobreza em Portugal, e mesmo no mundo inteiro, a questão é que esta está muito mal distribuída, e o motivo pode esclarecer-se essencialmente numa única palavra: egoísmo.
Só através de acções altruístas, é que poderemos mudar o mundo para melhor.
"Seja a mudança que quer ver no mundo" - Mahatma Ghandi
P. Daniel
InfoNature.Org
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