segunda-feira, outubro 22

Allan Kardec


  • Allan Kardec

  • Desde a juventude, Allan Kardec, pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail, nascido em 3 de outubro de 1804, em Lyon, na França, já manifestava uma profunda preocupação com a educação da sociedade. Chegou a substituir o mestre Pestalozzi na escola de Yverdun, na Suiça e retornou a Paris, em 1828, cheio de sonhos e de projetos.

    Lecionou diversas disciplinas e popularizou o método pedagógico do mestre, revolucionário para a época. Fundou escolas e reformou o ensino francês com seus livros e manuais didáticos.

    Foi um dos pioneiros, na França, no campo do ensino para ambos os sexos, especialmente para as mulheres, relegadas a segundo plano pelo sistema de ensino. Chegou a ministrar vários cursos gratuitos em sua residência, fundou escolas e dedicou toda sua vida à educação.

    Após estudar o magnetismo desde a juventude, em 1854, aos 50 anos de idade, toma contato com os fenômenos mediúnicos, as chamadas mesas girantes. Sua genial perspicácia o fez perceber que por trás daqueles fenômenos, aparentemente pueris, se ocultava a explicação para muitos problemas existenciais considerados insolúveis.

    Dali, adaptando o método experimental das ciências, extraiu uma filosofia laica e espiritualista de bases experimentais, uma ciência de observação, toda uma ética de princípios voltada para o progresso moral e social. Não se limitou à constatação do fato, como o fizeram depois dele os metapsiquistas e parapsicólogos. Foi muito mais além. Estruturou uma filosofia científica que denominou de Espiritismo e criou uma terminologia toda própria, adequada aos fenômenos medianímicos. Elaborou um método, também conhecido como kardecismo, e inseriu essa nova corrente de pensamento no cenário cultural da França e do mundo, em 18 de abril de 1857, com o lançamento de O Livro dos Espíritos, que assinou com o pseudônimo de Allan Kardec. Segundo informações de Espíritos que o auxiliaram na elaboração do Espiritismo, esse nome teria sido o de uma encarnação ao tempo dos celtas, como druida.

    Longe de ser uma doutrina para iniciados, com hierarquias e concepções esotéricas e dogmáticas, o Espiritismo logo se mostrou como uma corrente filosófica espiritualista, progressista e progressiva, comprometida com o processo de evolução intelecto-moral da humanidade. Em seu tempo, Kardec era conhecido como o Fundador do Espiritismo, mas também, até pejorativamente, de O Professor Socialista, não no sentido ideológico do termo, mas no de ser um intelectual e pedagogo preocupado com questões de natureza social, relacionadas à educação integral do homem e da sociedade.

    Em toda a Kardequiana podemos observar o comprometimento de Kardec com o social, como nessa afirmação categórica na conclusão do artigo Liberdade, Igualdade, Fraternidade (in Obras Póstumas, 1890): “A aspiração por uma ordem superior de coisas é indício da possibilidade de atingi-la. Cabe aos homens progressistas ativar esse movimento pelo estudo e a aplicação dos meios mais eficazes”.

    Em outro artigo, o Fundador do Espiritismo analisa de modo mais aprofundado as causas morais de muitos conflitos sociais, e sustenta com firmeza sua tese de que o egoísmo e o orgulho originam boa parte das misérias deste mundo: “para que os homens vivam como irmãos, não basta pregar-lhes lições de moral, é preciso destruir as causas do antagonismo entre eles e combater o que dá origem ao mal: o orgulho e o egoísmo. É este o flagelo em que devem concentrar toda a atenção aqueles que realmente desejam o bem da Humanidade. Enquanto subsistir esse obstáculo, verão paralisados seus esforços, não só pela resistência da inércia como pela de uma força ativa que trabalhará sem cessar para destruir sua obra, porque toda idéia grande, generosa e emancipadora arruína as pretensões pessoais” (O Egoísmo e o Orgulho, Obras Póstumas).

    Para o Espiritismo, o processo histórico é evolutivo e avança quando entram em choque os interesses de grupos antagônicos entre si, gerando os conflitos sociais, necessários ao progresso da Humanidade. Kardec, sensível a essa idéia, a desenvolve e observa que “em todas as épocas da História, às grandes crises sociais se seguiu uma era de progresso. Opera-se presentemente um desses movimentos gerais, destinados a realizar uma remodelação da Humanidade. A multiplicação das causas da destruição constitui sinal característico dos tempos, visto que elas apressarão a eclosão dos novos germens. São as folhas cheias de vida, porquanto a Humanidade tem suas estações, como os indivíduos têm suas várias idades. As folhas mortas da Humanidade caem batidas pelas rajadas e pelos golpes de vento, porém, para renascerem mais vivazes sob o mesmo sopro de vida, que não se extingue, mas se purifica.” (A Geração Nova, A Gênese).

    A preocupação com o poder também não ficou de fora das conjecturas de Allan Kardec. Ele defendia a tese de que no seu exercício é fundamental, além do preparo intelectual, a moralidade. Em termos práticos, essa idéia consubstancia-se no que denominou de aristocracia intelecto-moral, composta por um corpo dirigente animado por sentimentos de justiça e de caridade. Segundo Kardec, o Espiritismo é o precursor dessa aristocracia do futuro em função de seu poder de moralização: “Sendo uma potência como filosofia, o Espiritismo, neste nosso século da razão, só teria a perder se pretendesse transformar-se em poder temporal. Não será portanto ele que irá organizar as instituições sociais do mundo regenerado, mas os próprios homens, levados por suas idéias de justiça, de caridade, de fraternidade e solidariedade desenvolvidas por efeito de sua nova crença.” (Questões e Problemas, Obras Póstumas).

    Nos últimos anos de sua vida, preocupado com a continuidade do Espiritismo, elaborou todo um programa organizacional de estruturação e propagação da Doutrina, que ainda hoje serve de modelo para os espíritas seguidores de suas idéias. Um de seus últimos desejos foi a estruturação de uma espécie de comunidade espírita, que seria construída em um terreno de sua propriedade, que deixou para tal empreendimento.

    Kardec foi, portanto, no sentido gramsciano, um intelectual orgânico, ou seja, um pensador humanista voltado para a práxis, empreendedor e ativista. Fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, a Revista Espírita, escreveu cerca de 30 obras num curto espaço de 12 anos. Viajou por toda a França divulgando a idéia espírita através de conferências e incentivou a criação de grupos de estudos espíritas por toda a Europa. Foi um grande idealista, comprometido com a educação e a construção de uma nova sociedade, alicerçada em bases morais. Desencarnou em Paris, em 31 de março de 1869, deixando uma obra que ainda está por ser integralmente assimilada pelas novas gerações.

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