quinta-feira, novembro 8
Inventar o mundo, por Víctor Flores Olea Correspondente do jornal La Insígnia em vários países da América Latina
Bogotá - Sempre se pode pensar no poder do dinheiro e em suas argúcias para burlar, penetrar e se fazer dono da situação.
Assim tem sido a história do capitalismo.
Hoje até se pode dizer que o capital globalizado tem mais recursos que nunca para prevalecer e que sua expansão resulta avassaladora, apesar das contradições que também suscita.
E se pode pensar que a crise do socialismo se deve a suas incapacidades, que o teriam levado à decadência (ou o teriam deixado por longo tempo marginalizado).O fato é que o espetáculo da China como terra pujante do (novo?) capitalismo e o abandono dos princípios que um dia pareceram seu indeclinável guia são acontecimentos extraordinários neste princípio de milênio.
Como foi também a influência do capitalismo na queda dos "socialismos realmente existentes" europeus.
A comoção histórica se intensifica em grandes proporções se nos aproximarmos dos países da Indochina francesa que um dia foram baluarte heróico da resistência.Os países do socialismo à "toda prova", especialmente o Vietnã de Ho-Chi-Minh, que derrotou militarmente em um quarto de século os colonialistas franceses (Dien Bien-Phu, 1954) e os imperialistas norte-americanos, juntamente com o Laos e o Camboja parecem estar no claro curso de afirmar e expandir seu capitalismo, sem já quase mencionar a expressão "socialismo de mercado".
Também nestes países, as duas últimas gerações, os mais jovens, estão apaixonadamente envolvidos na missão de consumir bens de consumo, de revitalizar o mercado e a acumulação.
Os mais reflexivos sustentam que durante muitos anos seus ancestrais viveram as mais cruéis carências e que havia chegado o momento de compensá-las e de outorgar à satisfação das necessidades seu devido lugar.
Porém, tais objetivos se perseguem abertamente através do capitalismo e do mercado e não de nenhuma espécie de socialismo por mais adjetivos que lhe coloquem.O anterior convida à reflexão.
Alguns dirão que o mercado é "por definição" o sistema que satisfaz as necessidades humanas e que qualquer outra visão resulta uma má utopia, irrealizável e incontrolável.
O fato é que, historicamente, o mercado foi (até o momento) o meio mais eficaz para satisfazer as amplas necessidades sociais, sempre em crescimento, devido às exigências de acumulação (de "competitividade") dos próprios mercados.
A visão é simplista, mas real: a satisfação se garante com a eficácia do mercado, sem esquecer que ao mesmo tempo se garante e consagra sua irracionalidade essencial, criando necessidades fictícias, dando lugar ao colossal gasto em publicidade, aumentando as desigualdades e contradições sociais, etc., etc.O fato é que a sociedade da "satisfação de necessidades", a sociedade consumista, resultou muito mais atrativa, sobretudo para os jovens, que a sociedade da centralização econômica e a "planificação" a conta-gotas dos bens de consumo, dos socialismos anteriores.
Diria inclusive que uma das novidades da nova situação é que o poder econômico centralizado (de origem socialista) é na atualidade a principal alavanca da acumulação do capital, construindo o "novo" sistema capitalista que ali surge. Tal é o caso da China, Vietnã, Laos e Camboja (com suas grandes diferenças e semelhanças).A conclusão inadiável é que o socialismo, se alguma vez se estabelecer em algum lugar do mundo, deve "inventar" e "inventar-se" sobre novas bases.
Sobre bases que não permitam mais as escleroses do centralismo político e econômico, que considerem as necessidades das gerações de todas as idades, que combinem as solidariedades e exigências coletivas com as exigências pessoais, suas famílias, comunidades e grupos próximos.
Em uma palavra: que seja democrático, também no sentido das mais amplas liberdades, e capaz de solidariedades e reconhecimentos cabais do "outro" e dos "outros" (de suas necessidades e formas de vida).Hoje nem de longe estamos nessa via.
Estamos na via da satisfação pessoal e consumista desenfreada (e egoísta) de bens de consumo, muitos deles artificiais.
Em uma via desencadeada e desencantada.
Tal situação, sem dúvida, propiciou não apenas a perda dos valores centrais na história das batalhas pelo socialismo como que favoreceu desenfreadamente a corrupção, que ao parecer floresce no "socialismo de mercado" tão pujantemente como no campo de seus irmãos de leite do capitalismo declarado.
Os jovens, depois de sociedades extremamente austeras, descobrem, gozam e mergulham de cabeça no desenfreio do consumo, sem ainda terem conhecido os enganos e negações cruéis que se escondem detrás desse entusiasmo infantil.
Já chegará a hora, mas não resta dúvida de que agora desfrutam com paixão seu novo percurso.É necessário inventar um mundo mais humano que não consuma suas ambições no poder econômico e político.
E isso, infelizmente, não está em curso nem parece ser a prioridade de ninguém, exceto de uma minoria.
A concorrência do capitalismo selvagem seguirá seu curso (até o perigo de guerras maiores?), mas a tragédia é que, realmente, não está na pauta do dia de nenhum lado a criação de um mundo mais habitável para todos, em plena liberdade e solidariedade.
________________________________Víctor Flores OleaCorrespondente do jornal La Insígnia em vários países da América Latina
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