Publicado em 13-02-2004
Tema: Notícias
Investigadora detecta novas dinâmicas ao longo de 13 anos de trabalho com vários núcleos familiares.
Mulheres e jovens dão sinais de querer alterar a tradição.
Há raparigas ciganas que gostariam de prosseguir os estudos e alguns jovens começam a assumir a opção de não serem feirantes, cortando, assim, com uma tradição ancestral.
São sinais de dinâmicas - que nem sempre apresentam uma progressividade linear - no interior das comunidades ciganas , contrariando a visão estática que a sociedade dominante tem sobre esta "minoria endógena".
Depois de 13 anos de estudo, que a levam, actualmente, a partilhar a vida com 150 pessoas, com raízes comuns e residentes num bairro da periferia do Porto, Maria José Casa-Nova acabou por desmontar algumas das ideias preconcebidas a respeito da comunidade cigana.
Os ventos de mudança sopram e agitam levemente o seio de uma comunidade tradicionalmente fechada sobre si própria.
Não são alterações radicais ou cortes profundos com a unicidade étnico-cultural que os fez sobreviver, séculos após séculos, em vários países quase sem se aculturarem. São ligeiras nuances na forma de lidar com costumes nunca questionados, como as leis ciganas sobre as mulheres, a vingança ou os rituais de luto.
Ao mesmo tempo que são perceptíveis sintomas de abertura - ou de progresso, no conceito da sociedade maioritária -, registam-se retornos aos valores estruturantes da etnia cigana, segundo a investigadora da Universidade do Minho.
A relação dos jovens com a escola é um bom indicador das dinâmicas emergentes. Segundo Maria José Casa-Nova, algumas raparigas expressam vontade de continuar na escola, depois do momento em que os costumes ditam que abandonem os estudos, ou seja, "quando se tornarem mulheres" (primeira menstruação).
Para evitar a saída precoce (antes do 1º Ciclo), algumas arranjam forma de "contornar sem afrontar o poder parental", como reprovar propositadamente, explica.
Outros indícios de alguma emancipação feminina face ao poder patriarcal são vestir calças e não usar o cabelo tão comprido como as mulheres mais velhas.
O que é curioso, segundo a docente, é que, depois do casamento, desaparecem os sinais exteriores de libertação em relação aos costumes tradicionais.
"Falta saber se, enquanto mães, estas mulheres vão conseguir projectar nos filhos aquilo que não foram capazes de fazer, face ao seu reduzido poder dentro da comunidade", acrescenta. Já os rapazes que queiram prosseguir os estudos não se defrontam com tantos obstáculos.
Actualmente, ir além do 2ª Ciclo já é um factor de promoção, tanto dentro como fora da comunidade.
A ideia de sucesso escolar, na perspectiva cigana, é muito diferente da que é veiculada pelo sistema de ensino.
Interessa-lhes, sobretudo, aprender a ler, escrever e fazer operações aritméticas simples, para puderem tirar a carta de condução, ter sucesso no negócio e saber falar com os "pailhos". No entanto, há casos de jovens que continuam a estudar além do 6º ano e isso já é valorizado, de acordo com Maria José Casa-Nova, acrescentando que, entre a população alvo do seu trabalho, existe um rapaz a frequentar o 9º ano, o que é raro.
Outra conclusão inovadora a que a investigação a conduziu foi a de que o insucesso das crianças ciganas não se deve a dificuldades de aprendizagem, mas ao elevado grau de absentismo, que impossibilita os professores terem os elementos necessários à avaliação.
Prova disso é que, das 129 crianças do universo estudado, só três reprovaram por não terem tido os resultados esperados pela escola.
Leis nem sempre ciumpridas
A lei cigana legitima a vingança dos ofendidos até à quinta geração do elemento que cometeu o crime.
Este princípio começa a ser contestado, não de forma aberta, mas nas conversas privadas e na prática de alguns elementos, esclarece Maria José Casa-Nova. "Há quem considere, principalmente entre os mais jovens, que é um exagero que a punição se perpetue por tantas gerações", acrescenta.
As regras do namoro - que proíbam qualquer contacto físico até ao casamento - são também alvo de alguma resistência, embora se notem diferentes tendências dentro da mesma comunidade. Se há pais que até permitem que a filha case com um noivo diferente daquele a que estava prometida, outras há que se pautam por uma rígida visão da lei.
O mesmo se passa com os casamentos mistos.
Nalgumas famílias, há vários casos, enquanto outras obstaculizam a sua realização, mas o facto de determinada relação ter sido aceite não implica que outra, em condições semelhantes, seja permitida.
Depende sempre do contexto específico e do momento que a comnidade atravessa.
Mais pacífico continua a ser o princípio de que as raparigas devem ser virgens até ao casamento, existindo mesmo rituais de verificação da pureza da noiva.
Jornal Notícias
Sem comentários:
Enviar um comentário